sábado, 10 de julho de 2010

A política para Maquiavel

Nicolau Maquiavel, em italiano Niccolò Machiavelli, nasceu em Florença, na Itália, em 3 de maio de 1469 e morreu em 21 de junho de 1527, com 58 anos de idade. Inicialmente, foi um diplomata a serviço do governo florentino. Alguns anos depois, afastado da sua função, sendo acusado de se simpatizar com a administração anterior do governo, Maquiavel dedicou-se a escrever, produzindo não só textos de história e política, mas também poesia e música, sendo considerado um pensador do período renascentista.

A obra-prima deste autor, intitulada “O Príncipe”, é considerada o marco de fundação da ciência política moderna porque é a primeira a analizar o Estado e o governo como eles realmente são, e não idealizar como eles deveriam ser, tal qual fizeram tanto os filósofos gregos quanto os cristãos. Esse rompimento é também o motivo pelo qual Maquiavel pode ser considerado um importante autor do Renascimento. Sua concepção de política como sendo amoral e realista vai de encontro a visão moralista e idealizada do período medieval.

Das novidades apresentadas na classificação de Maquiavel, a primeira delas diz respeito aos tipos de Estados existentes. Destaca-se a afirmação:

“Todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre repúblicas ou monarquia”. (p.73, Norberto Bobbio)

Antes, sendo vigente a concepção aristotélica-polibiana, entendia-se que havia três formas de governo. Maquiavel reduziu esse número para apenas duas: principados e repúblicas. Basicamente, se o governo é exercido por uma pessoa, este é um principado; se por várias, constitui uma república. Ainda cabe a uma república ser democrática caso o grupo que a governa seja grande, ou aristocrática, caso seja pequeno, mas essa segunda divisão é considerada de menor importância.

Maquiavel afirmou que nenhum estado pode possuir estabilidade se não assumir uma forma pura de principado ou de república. As estruturas intermediárias sofrerão ataques tanto daqueles que preferem o principado quanto daqueles que preferem a república, resultando em um governo pouco seguro. Dessa forma, seria mais prudente adotar uma das formas por completo e suprimir a estrutura opositora. Por outro lado, a admiração de Maquiavel à república romana, que era um Estado misto, parece ser uma contradição dessa idéia. No entanto, segundo Norberto Bobbio, a mistura romana conseguiu adquirir um caráter mais conciliador do que conflituoso, tornando esse caso uma exceção à regra de Maquiavel.

Feita a devida distinção entre as formas de governo, Maquiavel se atém ao principado. Este também se divide em dois: os principados novos e os hereditários. Os hereditários, como o próprio nome diz, são aqueles passados adiante através de uma tradição baseada em laços sanguíneos; os novos são aqueles conquistados por quem ainda não era príncipe.

Novamente temos uma divisão em duas partes, agora no que diz respeito aos principados hereditários. Pode ser que o príncipe exerça o poder tendo seus súditos como servos ou pode ser que ele o faça através de intermediários, que possuem poder independente do dele. No primeiro caso observa-se um governo de poder mais centralizado, coeso, estável, forte. No segundo, observa-se o oposto. A partir desta observação, Maquiavel conclui que é mais difícil tomar o poder no primeiro tipo de principado, pois este não está permeado por conflitos internos, não há oposição e interesses distintos para enfraquecê-lo. Contudo, uma vez tomado, verifica-se que é fácil manter o controle sobre a estrutura que já se encontra armada de forma submissa ao poder central. No caso do príncipe que governa através de intermediários, o poder se encontra disperso e contraditório. Observa-se que é muito mais fácil tomar esse tipo de principado, mas uma vez tendo o feito, tendo que equilibrar-se no jogo de interesses políticos em seu interior, é mais difícil conseguir mantê-lo.

Os principados são classificados também quanto a dois conceitos introduzidos por ele, a saber: virtú e fortuna. A virtú seria o mérito, característica do príncipe que conquistou o principado por suas qualidades, por sua sagacidade nas ações políticas, por ter construído uma base forte e estável para se estruturar. A fortuna é a característica do príncipe que ascendeu graças a motivos que não o seu talento para governar; graças a forças externas. É o caso de ter caído nas graças de algum barão ou duque. Este, frequentemente, não possui a competência necessária para manter-se no poder, mas para que não seja derrubado, é preciso apressar-se a construir as bases que darão estabilidade ao seu governo, em suma: construir o seu mérito. De fato, para Maquiavel, embora a virtú seja preferível, ninguém conquista e se mantém no poder apenas através de uma ou outra. Há uma mistura das duas características na arte de governar.

Maquiavel não faz distinção entre principados bons e maus, como um moralista, mas ele defende que o objetivo de um príncipe é manter-se no poder, e para isso, a moral é um obstáculo. O principe deve buscar fazer o bem, mas deve saber usar a crueldade com sabedoria quando se fizer necessário. Sob essa lógica, até mesmo um tirano pode ser um bom príncipe. Daí vem a famosa afirmação, muitas vezes mal interpretada: “Os fins justificam os meios”.

Maquiavel afirma existir três formas de governo; duas delas (a aristocracia e a democracia) são derivadas das repúblicas e a outra (a monarquia) é derivada dos principados. Estas seriam as boas formas de governo. Mas além disso, ele admite a existência de três formas corrompidas de governo, cada uma correspondente a uma das boas formas; a oligarquia, a permissividade e o despotismo, respectivamente. A crítica de Maquiavel reside justamente na tendência existente das três formas boas de governo a se corromperem, passando a fazer parte das perniciosas.

A partir dessa tendência das formas de governo de se transformarem, Maquiavel apresenta um ciclo de formas de governo segundo ele “seguido por todas as repúblicas que já existiram, e pelas que existem” (p.80, Norberto Bobbio). Segundo Políbio, esse ciclo seria infinito, sempre retornando ao ponto de partida novamente, mas Maquiavel nega essa idéia, admitindo que em um momento, encontrando-se um governo enfraquecido, ele acaba sendo encorporado por um vizinho mais forte. Maquiavel afirma ainda, que, conhecendo essa tendência da história, o historiador é capaz de fazer previsões sobre o futuro, salvo as devidas particularidades do momento.

“Maquiavel aplica esta dupla atitude de previsão e prevenção ao problema das constituições. A sequencia das seis constituições demonstrou que todas podem ser nocivas – não apenas as consideradas tradicionalmente más, porém as boas também, devido à sua rápida degeneração. Mas o homem não seria um ser em parte livre, não determinado inteiramente pela “fortuna”, se não fosse capaz de conceber um remédio para o mal descoberto. Esse remédio é o governo misto” (p.82, Norberto Bobbio).

Deste modo, Maquiavel defende a estrutura de governo misto presente na antiga república romana, como uma mistura de constituições arquitetada para fornecer estabilidade, ao contrário das formas simples de governo. “Se o príncipe, o aristocrata e o povo governam em conjunto o Estado, podem com facilidade controlar-se mutuamente”. (p.82, Norberto Bobbio). A partir daí, Maquiavel faz uma previsão da concepção moderna de sociedade civil, na qual a estabilidade não se encontra na dominação, mas no conflito de poderes. “em todos os governos há duas fontes de oposição: os interesses do povo e os da classe aristocrática. Todas as leis para proteger a liberdade nascem da sua desunião” (p. 83, Norberto Bobbio).

Assim, Maquiavel entende o governo misto como a solução para o conflito de interesses antagônicos, tornando o Estado mais saudável do que seria com as formas de governo simples.

Bibliografia.


- BOBBIO, Norberto. “A Teoria das Formas de Governo na História do Pensamento Político. Ed: UnB

- MAQUIAVEL, Nicolau. “O Príncipe”. Ed: L&PM POCKET

Um comentário:

  1. Maquiavel afirmou que nenhum estado pode possuir estabilidade se não assumir uma forma pura de principado ou de república.

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