sábado, 10 de julho de 2010

O deslocamento operado por Michel Foucault entre a Epistemologia, a Arqueologia do Saber e a Genealogia do Poder.

A Arqueologia do Saber proposta por Michel Foucault distanciou-se da epistemologia para dar conta do estudo de um novo objeto – os saberes sobre o homem – que não podia ser devidamente analisado segundo a lógica cientificista da Filosofia das Ciências. No entanto, alguns aspectos foram mantidos nesta nova linha de pensamento, destacando-se entre eles a valorização da história como ferramenta para refletir sobre o saber.

A história, dentro da epistemologia, age no sentido de avaliar o progresso do conhecimento, que tende a superar os erros iniciais, aproximando-se gradativamente em direção a uma verdade. Uma conclusão, em um determinado contexto histórico, mostra-se extremamente fundamental, enquanto em outro, mostra-se questionável e ultrapassada. Tal instabilidade das conclusões de acordo com o curso da história nos leva a questionar quanto à possibilidade que temos de obter conhecimento de fato.

Na Arqueologia do Saber, a disciplina se ocupa da questão da possibilidade de conhecer. A questão da racionalidade científica é deixada de lado para focar-se no nível do saber, na prática discursiva que, embora não possua o título de ciência, obedece a regras de aparecimento, organização e transformação. Buscando explicar o aparecimento dos saberes, Foucault opera um deslocamento da busca da cientificidade para a positividade. A preocupação deixa de ser a dialética da negação, que invalida um saber para estabelecer outro em seu lugar, passando a apenas delimitar as regras que regem o aparecimento e a transformação dos conceitos.

Para Foucault, as ciências do homem não podem ser criticadas do ponto de vista da sua cientificidade. Para aprofundar-se no nível dos discursos, é preciso que não haja um método crítico definitivo e genérico. A idéia de história regional dá aos saberes a dimensão relativizada que eles necessitam. Cada saber possui o seu próprio processo de formação e, portanto, suas próprias regras, que não são definitivas, mas transformam-se com o desenvolvimento da pesquisa.

Na medida em que a Arqueologia do saber busca compreender a interferência da política, da economia e de outras práticas externas no processo de aparecimento e desenvolvimento dos discursos, introduz-se a idéia de poder. Observa-se o peso das relações de poder na construção do conhecimento. Em um contexto dominado por uma determinada instituição, por exemplo, os discursos de interpretação coerente com os interesses dessa instituição encontravam terreno fértil para se estabelecer. Tal constatação está de acordo com a afirmação da autora Vera Portocarrero no que diz respeito à Genealogia do poder: o poder gera saberes e o saber gera poderes. É possível tomar como ilustração as imensas bibliotecas existentes em mosteiros nos períodos medievais. O saber, assim como a básica capacidade de ler e escrever, eram privilégios controlados por uma elite intelectual. Não é a toa que os grandes pensamentos econômicos, filosóficos, teológicos e científicos da época foram conduzidos por eles.

Enquanto a arqueologia estuda as relações entre os saberes do homem e busca entender a origem desses conhecimentos, ela acaba por cair no que será o ponto de interseção com a Genealogia: o poder. É a Genealogia que se ocupa de concluir o trabalho iniciado pela Arqueologia, situando os saberes estudados como ferramentas de dominação de diversas naturezas, mas sempre de caráter estratégico.

Esse poder não existe sob uma forma genérica, nem pode ser atribuído exclusivamente do Estado ou de uma classe dominante. Ele se manifesta assumindo diversas formas, com suas particularidades, sobrepondo-se, formando uma rede de relações. Esse poder atinge não somente a mente, mas também o corpo dos indivíduos, ao influenciar seus hábitos, comportamentos e a cultura em geral. Assim, o método empregado visa analisar os micropoderes e suas relações com o Estado, que é uma espécie de poder central.

Torna-se clara, afinal, ainda que em linhas gerais, a transição ocorrida da Epistemologia para a Arqueologia, com o seu rompimento com a racionalidade científica, a sua abordagem diferenciada no emprego da história e o seu desprezo quanto a busca da verdade. Daí a transição para a Genealogia se dá por meio de uma relação mais de continuidade do que de ruptura, ao contrário como foi com a transição da abordagem epistemológica.

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