quarta-feira, 21 de julho de 2010

O que é razão afinal?

Antes de nos aprofundarmos no tema central, convém discutirmos o conceito de razão que será aplicado em diversos momentos ao longo deste livro. Não pretendo, para isso, elaborar nenhuma grande construção filosófica, nem construir complexos silogismos, ou propor exagerados processos de abstração que acabem por fugir da realidade. Basta que compreendamos com clareza o que diz respeito à razão e o que se opõe a ela, além de sua importância.

É uma herança do Iluminismo que nós acreditemos na racionalidade do homem. Sem dúvida o ser humano possui o dom da razão, mas isso não é o mesmo que ter seu comportamento guiado por ela. Não é preciso ser um especialista em Freud para perceber que muito de quem nós somos se encontra em nosso subconsciente, longe do alcance da razão. Nossa personalidade se forma em sua maior parte pela influência de fatores externos a nós. A cultura da sociedade em que você vive, os livros que lê, os programas de TV que assiste, os costumes de sua família, os seus amigos, a sua religião. Estes e muitos outros elementos são fatores que se encontram completa ou parcialmente longe do alcance de nosso julgamento racional, estando fora de nosso pleno controle. A própria vontade pessoal que o indivíduo pode usar para selecionar as influências que deseja sofrer de seu meio social também está sujeita a tais fatores externos. Você só pode escolher ser católico porque algo em sua experiência de vida o fez simpatizar-se com o catolicismo. Da mesma forma, você só escolheu ler este livro porque algo em sua formação o inclinou para tanto; se você tivesse nascido em uma família muito religiosa, as chances de estar lendo estas palavras agora seriam muito menores, e se é este o caso, continua havendo algum outro fator externo a você que tenha guiado as suas mãos até estas páginas. A nossa percepção da realidade também é algo relativo, assim o que é coerente para uma pessoa, não necessariamente é para outra. Mostre o desenho de um cubo a alguma tribo africana que não esteja habituada a representar figuras em três dimensões e o que eles verão será a imagem bidimensional chapada no papel, como dois quadrados parcialmente sobrepostos ligados pelos vértices. Infelizmente, nós temos um controle muito menor sobre quem nós somos do que gostamos de pensar. No entanto, isso não significa que nós tenhamos que cair em uma irracionalidade fatalista, a ponto de achar que a razão é uma mera ilusão. Nada nos impede de tomar as rédeas do pouco de controle que nós podemos ter e usá-lo ao nosso favor.

O próprio preconceito, um fenômeno universal, é uma expressão da irracionalidade. Sendo caracterizado como um julgamento precipitado e falho, baseado em idéias que não são sustentadas pelo que se observa na realidade, pode-se afirmar que o preconceito não é racional. Portanto, conclusões precisam basear-se em fundamentos honestos para serem fruto da razão. Vemos então, que o conceito que buscamos aqui compreender está fundamentalmente ligado ao pressuposto em que se baseia, tanto quanto à conclusão que é capaz de produzir. Isto significa que a razão age como um elo que une a hipótese proposta ao resultado que dela se extrai, buscando sempre fazê-lo com coerência. Podemos dizer: “Se 2 + 2 = 5, então 5 – 2 = 2”. Tal afirmação é racional e está correta. 2 + 2 = 5 é o pressuposto do qual deriva a conclusão 5 – 2 = 2. Acontece neste caso de a base do raciocino não ser verdadeira, resultando em uma conclusão que também não o é. Mas chamo atenção para a partícula “se” localizada no início da afirmação. Ela confere o caráter condicional que valida o raciocínio. De fato, se 2 + 2 fosse 5, pela simples transposição de uma das parcelas da soma para o outro lado da igualdade concluiríamos que 5 – 2 = 2. O único problema é que o fundamento que serve de base não é verdadeiro. Observamos então que a tal partícula “se”, ou seja, o caráter condicional da afirmação, é o que confere a ela racionalidade. A partícula “se” está implícita em toda conclusão racional, isto é, todo pressuposto se apresenta como uma condição, uma hipótese, e portanto, toda conclusão que advém dele é condicional, só é verdadeira caso sua base também o seja. Conclusões racionais só podem constituir verdades a princípio. Isso é válido mesmo para os pressupostos mais óbvios. 2 + 2 = 4, ao mesmo tempo em que pode ser a conclusão de um raciocínio anterior, pode também ser o pressuposto para se chegar a outra conclusão; e não importa o quão óbvia para nós seja a veracidade desta afirmação de base, ela continua sendo uma hipótese.

Vimos então que o pressuposto é o fundamento que diz respeito às construções racionais, e que este é caracterizado pelo caráter questionável. Mas quando o pressuposto deixa de ser encarado como uma possibilidade, ele transforma-se em outro tipo de fundamento, de natureza oposta, o dogma. O dogma é um pressuposto considerado tão fundamental, tão necessário, que se acredita não ter cabimento questioná-lo. Para essa base, a partícula “se” deixa de existir. Só ele pode nos fornecer raciocínios do tipo “2 + 2 = 5, então 5 – 2 = 2”. Tal raciocínio também depende de uma lógica interna que atue fazendo a transição do dogma para a sua conclusão, mas não podemos dizer que este veículo seja a razão. Apoiar-se em uma afirmação que se apresenta como uma certeza, que não aceita que se levante a hipótese dela estar errada, não é racional. O elo que diz respeito ao dogma chamamos então de dogmatismo, sendo este o pólo oposto à razão.

O dogma é um pressuposto que não é honesto consigo mesmo, apresentando-se como uma verdade fundamental. O dogmatismo é a aplicação de uma lógica que não tem compromisso com a verdade, mas com a validação incondicional do pressuposto e da conclusão. Observamos a partir disso que uma característica imprescindível da razão é a sua honestidade intelectual. A razão deve estar sempre disposta a admitir os equívocos e os pontos fracos de seus pressupostos e conclusões. Dessa forma, uma conclusão absurdamente improvável, como a existência do papai Noel, pode ser racional, desde que admita que é absurdamente improvável. Tal admissão é contrária ao que se entende por dogma. Portanto, se este assumir a sua natureza de dogma, se confessar que sua postura tem como objetivo escapar da fragilidade, se disser publicamente que de fato é um princípio questionável, perde a sua sacralidade. Ele automaticamente se transforma em um pressuposto. A partir de então, as conclusões que ele sustenta se tornam menos convincentes, mas se tornam mais próximas da verdade, mesmo que esse caminho para a verdade passe pela aniquilação delas.

É compreensível que o senso comum não faça distinção entre pressuposto e dogma. Ambos são conceitos da mesma natureza, que só assumem posturas opostas em sua forma de apresentação. As pessoas tendem sempre a preferir o conforto da certeza. As boas respostas, para elas, são as que se resumem a “sim ou não”. A possibilidade, a dúvida, é vista como uma fraqueza, uma falta de fibra em definir um posicionamento. Por vezes isso pode ser verdade, mas em muitas situações a dúvida é preferível. É comum nos depararmos em nosso cotidiano com perguntas como “Você acredita em vida extraterrestre?”. A grande maioria das pessoas se preocupa em dar uma resposta do tipo “sim ou não”. Tanto as respostas quanto a própria pergunta não percebem, naturalmente, que a questão não se trata de opinião pessoal, de fé, mas sim de que argumentos podemos reunir a favor de um lado e de outro. A conclusão deve ser imparcial, e não baseada no “achismo” de cada um. Ao fornecerem respostas simplistas como no exemplo em que propus, as pessoas estão proferindo dogmas. Estão assumindo como verdadeira, ou provavelmente verdadeira, uma conclusão sem fundamento, baseada apenas em alguma intuição pessoal. Esse raciocínio peca por falta de honestidade intelectual.

O preconceito, já usado aqui como ilustração, é um bom exemplo de dogmatismo. Costuma-se pensar que o que o define como tal são as generalizações, mas estas não seriam preconceituosas se fossem verdadeiras. Logo, é o dogma que o caracteriza. É a insistência em não se dobrar, em não aceitar-se como equivocado diante do conjunto de evidências que nos proporciona a realidade. E da mesma forma que o dogma, o preconceito também deixa de existir caso admita que é apenas preconceito.

Analisemos também a natureza das conclusões proporcionadas pela razão e pelo dogmatismo. Já foi colocado o caráter condicional das conclusões racionais, atributo esse que não existe, ou se manifesta com fraqueza nas conclusões dogmáticas. A partir deste fenômeno, chamamos as conclusões racionais de convicções e as conclusões dogmáticas de certezas. Mas qual a diferença prática entre elas? Primeiramente, a convicção tende a ser um sentimento mais brando que a certeza, mais disposto com a tolerância. Estar convicto significa estar convencido de algo, ter sido persuadido pela racionalidade aplicada pelos pressupostos. Sendo assim, a convicção está sempre dependente da racionalidade. Nenhuma conclusão é eterna, todas são passíveis de serem transformadas ou mesmo derrubadas. Estar convicto de algo é sentir-se seguro para assumir um posicionamento com a quantidade de informações que se possui. Existe a possibilidade de se estar errado? Lógico que sim. Toda convicção é baseada em pressupostos e portanto é suscetível a falhas. Estar convicto pressupõe admitir sempre a possibilidade de se estar errado, mesmo que as chances sejam muito pequenas; admitir de verdade, não só da boca pra fora. Pressupõe também estar disposto a mudar de opinião, a se converter tantas vezes quanto se achar que é certo. O verdadeiro convicto é aquele capaz de reconhecer que está errado e se orgulhar de mudar de opinião. É verdade que estar errado propriamente não é algo satisfatório, mas reconhecer o erro e dobrar a si mesmo para corrigi-lo é um ato de nobreza, de sabedoria. A mudança de um posicionamento para outro, a respeito de uma questão qualquer, se dirigida pela razão, por uma reflexão sensata, carrega consigo alguma positividade. Tende-se a passar de um estágio de menos sabedoria para um de mais sabedoria, ainda que o movimento inverso também seja possível.

A razão anda de mãos dadas com o senso-crítico. Questionar, colocar a prova, não se satisfazer com o senso comum ou com respostas evasivas, são características do que é racional. O dogmatismo, até certo ponto, também pode se munir de um pouco de senso crítico e questionar a suas conclusões que, apesar de serem pouco flexíveis, possuem ainda alguma fragilidade. No entanto, a dúvida geralmente termina antes de encostar-se no dogma. Se seguisse adiante, automaticamente o dogma estaria sendo rompido e encarado como um pressuposto. Dessa forma, os únicos questionamentos que vemos partir do indivíduo dogmático são no sentido de validar o que ele já acredita, ao contrário da razão, que busca sempre desconstruir as verdades concebidas. As reflexões que se dirigem ao dogma já admitem a intenção declarada de prová-lo verdadeiro, e as que se dirigem a conclusão a de reformulá-la para proteger o dogma, adaptando-o a necessidade. A razão também age protegendo os seus pressupostos até certo ponto, mas seu compromisso com a verdade a impede de persistir neles após a demonstração de fraqueza.

É importante ressaltar que estamos tratando aqui a razão e o dogmatismo como entidades ideais. Não devemos nos esquecer que os indivíduos que se encaixam em um ou outro perfil são seres humanos, tão diversos e complexos quanto à natureza e a cultura humana os permite. Como foi colocado no início desse texto, o homem não é essencialmente racional, mas possui o dom da razão. Isso equivale a afirmar a existência de uma dualidade dentro dos indivíduos. Razão e dogmatismo, pressuposto e dogma, convicção e certeza, esses pares de oposição se encontram em conflito dentro de todo ser humano. Você pode ser um cientista, um físico que busca compreender o universo através da racionalidade, mas pode ser extremamente dogmático em seu posicionamento político ou em seus preconceitos. Até mesmo o mais racional dos homens tem as suas certezas e até mesmo o mais dogmático tem os seus pontos de dúvida. A ciência é racional, a fé é dogmática; mas tanto o cientista abraça o dogma em algum momento quanto o religioso enxerga com racionalidade. Quantos não foram os cientistas que se recusaram a abandonar a teoria que defendiam ao se deparar com resultados que a contrariavam e quantos não foram os homens de fé que tiveram um momento de dúvida diante da injustiça que vemos no mundo? Não cometamos o erro dogmático de rotular pessoas indiscriminadamente.

sábado, 10 de julho de 2010

O Estado Liberal segundo David Ricardo

David Ricardo ironicamente era corretor da bolsa de valores. A visão de Ricardo não era tão otimista quanto a de seu amigo quanto ao capitalismo. Ele adotou a conhecida teoria populacional malthusiana que enunciava que o crescimento populacional se dava em progressão geométrica enquanto o crescimento da produção de alimentos se dava, na melhor das hipóteses, em progressão aritmética. Isso significa que a necessidade de consumo aumentaria muito mais rapidamente do que a capacidade de produção, o que, a longo prazo, causaria o caos. Seria necessário que houvesse guerras e fome para controlar o crescimento populacional.

Ricardo aborda a teoria malthusiana dentro da lógica da economia clássica, dividida por classes sociais. Para ele, a humanidade seria reduzida a uma busca de subsistência. Todos receberiam o mínimo de salário possível, apenas para poder voltar a trabalhar no dia seguinte.

Ele nos leva a conclusão de que a compaixão pelo trabalhador não só é descabida como também prejudicial. Isso aumentava o ritmo de crescimento da população. Qualquer esforço dos sindicatos trabalhistas ou dos governos no sentido de salvar o povo da miséria só produziria resultados temporários. Um aumento da qualidade de vida dos trabalhadores, levaria as pessoas a viverem mais tempo e a terem mais filhos, o que faria o crescimento populacional ser ainda mais veloz o que só adiantaria essa crise eminente. Esse raciocínio fatalista do Ricardo forneceu aos ricos uma fórmula plenamente satisfatória de se conformarem com a infelicidade dos pobres.

É possível ainda questionar a extrapolação que essas conclusões tiveram, pois o aumento populacional não necessariamente significa o aumento da pobreza, mas sim o aumento da quantidade de pobres. Assumindo que os indivíduos são produtivos, ou seja, geram renda, a existência de uma quantidade maior de pessoas não necessariamente aumentaria o grau de pobreza da população. Em termos grosseiros pode-se dizer que ao mesmo tempo em que uma pessoa representa uma boca a mais para alimentar, também representa duas mãos a mais para trabalhar e produzir. No entanto, o problema que Malthus e Ricardo viram estava ligado a capacidade produtiva da terra. Para Ricardo, havia uma tendência a se ocupar terras cada vez menos férteis, ou seja, menos produtivas, porque a demanda aumentava, e isso geraria um aumento dos preços, o que diminuiria a capacidade de consumo das pessoas.

No entanto, a realidade não seguiu exatamente o rumo retratado por Ricardo. Este autor falava de uma economia essencialmente agrária. Nos meios industrializados acabou havendo um fenômeno espontâneo de controle de natalidade pela circunstância da sociedade. Viver em um meio urbano tem um custo de vida muito maior, e isso leva as pessoas a terem menos filhos. Assim, enquanto no campo as famílias tinha 8, 10 filhos, na cidade passaram a ter 1 ou 2, o ideal de família da sociedade burguesa. Esse fenômeno representou uma significativa desaceleração do crescimento populacional. Além disso, aos poucos foram introduzidas novas tecnologias na produção agrícola, como insumos, tratores, agrotóxicos, etc., sobretudo após a revolução verde ocorrida na década de 1960. Com essas inovações a produtividade agrícola aumentou muito além do que Ricardo ou Malthus podiam imaginar, afastando ainda mais a preocupação das limitações da produção.

O Estado Liberal segundo Adam Smith

Adam Smith é considerado o mais importante teórico do liberalismo econômico. Ele procurou demonstrar que a riqueza das nações resultava da atuação de indivíduos que, movidos apenas pelo seu próprio interesse, promoviam o crescimento econômico e a inovação tecnológica. Cita-se o seu famoso pensamento:

“Não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu "auto-interesse". (SMITH, Adams. 1981)

Dentre as propostas do liberalismo econômico estavam:

· Crença na capacidade do mercado de se auto-regular e com isso promover o bem comum.

· A não intervenção do Estado na economia. O Estado poderia apenas investir em infra-estrutura e em áreas que não fossem do interesse do capital privado. Também poderia oferecer subsídios para estimular o investimento privado de forma estratégica.

· Ausência de medidas protecionistas.
· Ausência de monopólios comerciais.

É interessante observar que, assim como ocorreu com Locke, o pensamento de Smith vai demandar uma reinterpretação da natureza e das funções do Estado. A síntese do capitalismo com o Estado teorizado por Maquiavel e Hobbes já geraria uma série de contradições, como é o exemplo do Estado mínimo de Smith em contraposição ao Estado absoluto de Hobbes. Outras contradições evidentes são a liberdade, a igualdade, os direitos individuais, etc. A proposta liberal é adaptar o Estado a um novo modelo econômico que se origina.

Costuma-se dizer que a economia nasceu como ciência no período dos autores clássicos, pois houve um rompimento com a ética religiosa e a disciplina passou a ser estudada de forma independente. No entanto, embora tenha havido esse rompimento, não se pode esquecer que Smith foi professor de filosofia moral,
chegando a escrever um livro sobre isso, intitulado “Teoria dos sentimentos morais”. Sendo assim, observa-se ao longo de todo o pensamento de Smith uma dimensão moral. Ele se preocupou em legitimar moralmente o liberalismo econômico, como é possível constatar na passagem transcrita acima, a qual ele afirma a capacidade de o egoísmo promover o bem da humanidade. Tal moral não se observava em Maquiavel nem em Hobbes. Para eles, a finalidade do sistema era manter-se no poder a qualquer custo, e, garantido isso, o príncipe ou o soberano poderiam zelar pelo povo. Para Smith, a finalidade última era o bem-estar individual, que podia ser conquistado através de bens materiais. Para ele, a busca pelo poder era legítima porque podia promover o bem da humanidade. Smith apresentou uma preocupação moral que era muito fraca em Maquiavel e Hobbes.
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A partir disso, compreende-se que para Smith o Estado não era a única ameaça ao mercado. Os capitalistas também representavam um risco para o próprio sistema, porque os valores egoístas sem serem guiados por uma moral tendem a subverter a própria ordem. Smith argumenta que quando homens de negócio se reúnem, frequentemente acabam tramando alguma conspiração contra o público, para aumentar os preços, dominar o mercado, etc. Smith se opunha fortemente às sociedades anônimas, chamadas posteriormente de empresas de capital aberto, constituídas de ações. Dos acionistas ele disse: “... raramente procuram entender dos negócios da empresa; e, quando o espírito grupal não prevalece entre eles, nem se importam com isso, mas recebem com prazer os dividendos semestrais ou anuais, conforme os diretores acharem melhor distribuí-los”. (GALBRAITH, A era da Incerteza, p.15)

Também é importante ressaltar que a divisão do trabalho possui um caráter positivo para Smith. Esse fenômeno de especialização, seja uma escala mais abrangente no que diz respeito a divisão internacional do trabalho ou em uma escala mais específica como entre indústrias que se limitam a ramos particulares, ou mesmo entre a função desempenhada pelos trabalhadores, contribui para a maior produtividade e eficiência do trabalho, o que favorece o bem comum. Conclusão essa que é contestada por Karl Marx mais tarde.

O Estado Civil Liberal segundo John Locke

O segundo tratado sobre o governo civil é um ensaio sobre a origem e a finalidade do governo civil. Juntamente com Rousseau e Hobbes, Locke é um contratualista. Maquiavel afirmara que os Estados Modernos haviam sido fundados com base na força, o que, para Locke, não era um meio legítimo de governar. Nem a força do rei nem a sacralidade da tradição são válidas como meio de sustentar o poder. Apenas o consentimento expresso dos governados pode gerar um governo legítimo.

Locke também teoriza três direitos considerados naturais ao ser humano e que seriam inalienáveis. Estes são o direito a vida, o direito a liberdade e o direito a propriedade, sendo o terceiro o mais importante deles. A princípio, colocar o direito de propriedade acima do da vida e da liberdade costuma causar certo espanto, mas é isso o que fundamenta toda a ordem no Estado civil e liberal de Locke. A superioridade do direito de propriedade é o que legitima o direito de se prender ou matar uma pessoa caso ela tente roubar algo ou alguém.

Para Locke, há um laço entre sociedade e governo, que é a gestão do Estado, e que a função do segundo é zelar pelos direitos naturais do primeiro. Quando este contrato é rompido, é dado o direito de a sociedade se rebelar e depor o governo com uso da força se for preciso. O mesmo se aplica dentro da própria sociedade civil, caso um indivíduo atente contra os direitos do outro.

Locke fala sobre um estado de natureza anterior ao contrato social. No entanto, diferentemente de Hobbes, a interpretação feita por este autor se apresenta claramente em prol da sociedade liberal, defendendo direitos civis e valores característicos de uma ordem burguesa. Por exemplo, tanto para Locke quanto para Hobbes, o poder do Estado emana da sociedade civil, no entanto, para o segundo, o povo perde esse poder quando o delega, torna-se um súdito, enquanto para o primeiro, o contrato é circunstancial e pode ser revogado. O pacto de Hobbes é de submissão e o de Locke é de consentimento. Cada um dos autores reflete a realidade política e econômica do seu tempo. Para Locke o estado de natureza era pacífico, embora houvesse a possibilidade de haver conflitos entre os indivíduos. Para ele, a criação do Estado é um movimento natural desempenhado pelas sociedades à medida que elas se desenvolvem e as relações da sociedade civil se tornam mais complexas. Pode-se dizer que o estado de natureza de Locke se aproxima mais do de Rousseau. Transcrevem-se aqui as palavras do próprio Locke sobre a natureza de seu contrato:

“E para evitar que todos os homens invadam os direitos dos outros e que mutuamente se molestem, e para que a lei da natureza seja observada, a qual implica na paz e na preservação de toda a humanidade, coloca-se, naquele estado, a execução da lei da natureza nas mãos de todos os homens, por meio da qual qualquer um tem o direito de castigar os transgressores dessa lei numa medida tal que possa impedir a sua violação. Isso porque a lei da natureza, como quaisquer outras leis que digam respeito aos homens neste mundo, seria vã se não houvesse ninguém nesse estado de natureza que tivesse o poder para pôr essa lei em execução e deste modo preservar o inocente e restringir os infratores. [...]” (BOBBIO, p.92)

Sociobiologia

A natureza humana, estudada pela biologia, fornece os princípios fundamentais de quem nós somos, mas ainda em matéria bruta, precisando ser devidamente “talhado” de acordo com a formação social, histórica e cultural posterior.

Podemos citar o tão comentado “tabu do incesto” que praticamente é debatido apenas quanto aos seus aspectos culturais. Quase não se fala que caso o ser humano encontrasse parceiros reprodutores dentro da própria família, o risco de doenças genéticas seria consideravelmente maior, além de que não havendo troca de genes a diversidade biológica entre os indivíduos é pequena, o que enfraquece a população do ponto de vista da seleção natural. Curioso perceber que ao contrário do que o nazismo colocava, a purificação da raça ariana só iria enfraquecê-los do ponto de vista genético. Uma população mestiça como a nossa é em geral mais resistente que uma mais “pura”, embora as diferenças biológicas entre as etnias não sejam muito significativas.

Outro ponto interessante é o instinto de competição, tratado por nós quase que puramente como um produto histórico. Quase não pensamos que querer ser o melhor é quase um pré-requisito para ser um ser vivo. Se em uma sociedade “primitiva” vivia em propriedade comunal, é porque seu instinto de competição estava dirigido para outras áreas, os conflitos tribais, as disputas pelas mulheres, pelo comando do grupo... O instinto de competição só se voltou para a propriedade privada no momento em que a produção e o comércio se mostraram fortes o bastante para se tornarem competitivas. Portanto, se formos falar em comunismo, é preciso considerar que estamos enfrentando também nossos genes. O instinto de competição precisaria ser suprimido ou direcionado para outra atividade; o esporte quem sabe. Isso explica sentimentos como o ciúme, a inveja, a ambição, etc.

Marx afirmou que os seres humanos se reúnem em sociedade para produzir, não só bens de consumo, mas língua, símbolos, cultura em geral. Com isso, Marx está afirmando que não existe sociedade sem produção. Consideramos essa produção, e conseqüentemente a sociedade, como marco da existência do ser humano. No entanto, sabemos que nossos ancestrais já viviam em comunidade a milhões de anos atrás. Pensando dessa forma, talvez possamos concluir que a vida em sociedade foi uma fatalidade do processo de evolução da mente humana. Em outras palavras, o ser humano não se reuniu em momento algum. Ele já se encontrava reunido quando tomou conhecimento de si, já se encontrava organizado em comunidade, vivendo sob um sistema de regras rudimentar determinado pelo imperativo darwinista, os instintos naturais como o amor, o ódio, a compaixão, o egoísmo, a coragem, o medo, o carinho, o sadismo, etc. Cada um desses princípios desempenhou um papel importante no sentido de regular a comunidade, mantendo a segurança dos indivíduos. Claro que eram sentimentos que se manifestavam ainda de forma rudimentar, talvez apenas um pouco mais desenvolvidos do que os dos nossos primos macacos, mas com o tempo eles se fortaleceram, até que mais tarde ganharam seu acabamento lado a lado com o desenvolvimento cultural, uma vez já humanos.

Daí, encontramos a verdadeira razão para o ancestral do homem ter se reunido: a sobrevivência. Teria sido uma transformação administrada pela seleção natural. Os grupos menores, ou eventuais indivíduos isolados, foram todos esmagados pela lei da selva, a lei do mais adaptado. Produzir haveria sido uma necessidade de sobreviver. O grupo que desenvolvia melhores armas, melhores casas, melhores maneiras de obtenção de alimento, sobrevivia. Aqueles que não conseguiam, eram mortos. Mas também não falo de sobreviver no sentido de meramente continuar respirando; sobreviver e satisfazer os seus instintos, a competição, a reprodução, a necessidade de se sociabilizar, o desejo pelo conforto, pela busca da felicidade, que nós estamos programados por nossos genes a seguir.

Cohen, diante da dificuldade de estabelecer a relação de influências que há entre forças produtivas e relações de produção, propõe a existência de uma força motor que há antes das forças produtivas, e atua diretamente sobre ela. Segundo ele: “essa força motora é a racionalidade humana, um impulso racional e sempre presente dos seres humanos no sentido de tentar melhorar a sua situação e superar a escassez pelo desenvolvimento das forças produtivas” (p 158, dicionário do pensamento marxista). Qual é a diferença mais fundamental entre esse discurso e o imperativo darwinista de buscar sempre satisfazer os desejos programados pelos seus genes? Basicamente, eu diria que é só o discurso marxista na forma de apresentá-lo.

Lembranças camponesas: repressão, sofrimento, perplexidade e medo - Regina Novaes

O texto trabalhado é intitulado “Lembranças camponesas: repressão, sofrimento, perplexidade e medo”. É de autoria da antropóloga Regina Novaes, professora de pós-graduação da UFRJ. Ela é pesquisadora do CNPq e autoridade na área de infância e juventude, embora não haja relação com o tema desse trabalho.

O trabalho realizado pela autora se propõe a analisar a construção da memória social entre os camponeses do nordeste brasileiro e a influência que a ditadura militar teve sobre essa memória. Segundo a autora, a memória social é seletiva pois é resultado de disputas entre pessoas, grupos e segmentos sociais. Quando tentamos fazer uma narração sobre um acontecimento anterior, nós selecionamos eventos e imagens referentes ao acontecido e tentamos construir uma lógica que relacione esses elementos, quase como criando uma linha cronológica de causa e efeito, que não necessariamente existe na prática. O desenrolar da história geralmente se dá por um jogo conflituoso de interesses e forças sociais.

Os estudos antropológicos como esse se valem da memória coletiva como ferramenta de trabalho. Ao antropólogo cabe desvendar porque determinadas imagens e eventos recebem uma atenção maior do povo, qual a sua importância simbólica dessas imagens no processo de construção de identidade do grupo, e assim compreender como as narrativas são socialmente construídas.

Assim, a autora escolhe um caso que forneça material que permita a ela refletir sobre essas questões. Ela retoma as Ligas Camponesas no Nordeste, que era um movimento social em busca de terra e direitos de cidadania que foi fortemente reprimido durante a ditadura militar.

Foram tomados como fonte pela autora jornais, entrevistas e um filme sobre o tema chamado “Cabra marcado para morrer”, direção de Eduardo Coutinho, 1981.


A invenção histórica do camponês brasileiro

O texto se refere à construção histórica do camponês porque a palavra “camponês” adquiriu um sentido particular no vocabulário brasileiro. Esse termo foi inserido no Brasil pelas esquerdas que buscavam, com isso, reunir todos os trabalhadores rurais sob uma mesma bandeira, pois antes havia uma série de termos que designavam grupos restritos como morador, colono, matuto, caboclo, lavrador, etc. O termo camponês permitia que essas pessoas se identificassem como membros de um mesmo grupo, como semelhantes.

Já em 1950, a palavra “camponês” era sinônimo de militante político das áreas rurais. Quando se falava em camponês, automaticamente se pensava em um indivíduo ligado a movimentos de esquerda, que lutava por reforma agrária, como o MST, por exemplo. Tanto que “camponês” acabou se tornando um título usado antes do nome dos militantes. Com isso, podemos observar como uma circunstância histórica e social, com conflitos políticos e econômicos serve de terreno para a construção de uma identidade social, pois, com esse ato, eles incorporavam a noção de identidade grupal dentro da de identidade individual. Não só o indivíduo fazia parte do grupo camponês como o grupo camponês fazia parte do que era o indivíduo. Com isso, o grupo conseguia o espírito de coesão e de fraternidade que era o objetivo das esquerdas ao introduzir esse termo.

“O fenômeno em questão foi construído, sobretudo, a partir de um par de oposição complementar: de um lado, aqueles que se auto-reconheciam como camponeses e de outro, o que denominavam genericamente como o latifúndio. Ou seja, como toda identidade social, a identidade camponesa se construiu de forma relacional. O que se opõe ao camponês (nós) é o latifúndio (eles).” (pag 234, Regina Novaes)

Importante ressaltar que a expressão latifúndio também tinha um significado que ia além do geralmente atribuído. Em geral esse termo se refere a uma grande quantidade de terra concentrada nas mãos de uma minoria, mas naquele contexto, a palavra latifúndio representava tudo ao que os camponeses se opunham. Latifúndio representava também a distribuição desigual de terra, mas não só isso. Representava a exploração dos patrões e toda a ordem social que empurrava os camponeses para uma posição inferior. E a expressão latifúndio tinha a mesma intenção que a “camponês”, no que diz respeito a unir diversos tipos de explorações que atingiam grupos diferentes sob a forma de uma exploração única que fosse comum a todos os trabalhadores.

Inicialmente a organização dos trabalhadores nas ligas camponesas provocou uma reação violenta e indignada por parte dos patrões, que acostumados com a submissão dos trabalhadores, não aceitavam a repentina perda de poder. Os camponeses se apoiavam na própria lei para recorrer ao Estado e limitar o poder dos patrões. Assim eles começaram a processar os patrões e a fiscalizar as ações destes. Em virtude disso, houve muitos relatos de pistoleiros contratados para matar os camponeses que de alguma forma desafiaram a autoridade dos patrões.

Uma prática interessante das Ligas camponesas era colocar um chocalho de boi pendurado no pescoço das pessoas. Esse ato tinha um significado simbólico que fazia o camponês lembrar constantemente da sua condição de explorado. Isso reforçava a idéia de que eles eram tratados como gado, explorados como animais, e não como seres humanos. Essa comparação com o gado invoca também a lembrança do “voto de cabresto” que existia já na República Oligárquica, que expressava a dominação política por parte dos patrões.

Com o golpe militar de 1964, as Ligas Camponesas foram desmanchadas e o termo “camponês” foi censurado. A mídia e as pessoas passaram a usar eufemismos como agricultores de baixa renda ou trabalhadores rurais, o que mostra que o governo militar reconheceu a existência dessa identidade social. Para entender como durante muitos anos permaneceu esse silêncio sobre as Ligas é preciso entender três fatores, de ordem econômica, política e associativa.
Dimensão econômica

Quanto ao fator de dimensão econômica, cabe fazermos uma análise marxista sobre ele. Logo após o golpe de 1964, os usineiros e fornecedores do Nordeste entraram em uma acirrada competição pelo mercado interno com os seus pares do Sul. Para oferecer produtos com preços mais competitivos e conseguir manter-se na cena econômica, os produtores nordestinos deram início aquilo que Marx chamaria de “achatamento da classe trabalhadora”. As despesas com mão de obra representavam 70% dos custos de produção da atividade açucareira. Foi preciso então promover demissões, aumentar a taxa de exploração dos trabalhadores e burlar de qualquer forma a legislação trabalhista já existente. Tudo para reduzir a taxa de capital variável, aumentando o lucro. O resultado foi a expulsão de muitos trabalhadores e o empobrecimento dos que permaneceram.

Isso se relaciona com o silêncio das Ligas camponesas pelo sentimento de que após os movimentos de resistência terem começado a situação do campesinato só piorou. Eles guardavam lembranças de uma época passada quando, apesar da exploração dos patrões, gozavam de estabilidade. Uma época situada antes das Ligas. Para os camponeses ficou a sensação de que lutar contra os patrões só havia gerado mais violência e piorado ainda mais a situação em que se encontravam. As Ligas acabaram se tornando impopulares entre os próprios camponeses.

Dimensão política

“Após o golpe de 1964, entre os trabalhadores e os donos das terras se fez presente o Estado. O governo Castelo Branco, ao mesmo tempo em que reprimiu violentamente o movimento ‘camponês’, também se apropriou da bandeira de luta que politicamente o unificava: a reforma agrária.” (p 240, Regina Novaes) O governo de Castelo Branco incorporou reivindicações dos trabalhadores e promulgou o Estatuto da Terra, que continha medidas de desapropriação, posse e uso da terra, tributação, cadastramento de imóveis, preservação de reserva, crédito, comercialização, assistência técnica, mecanização e implementos agrícolas. Assim, o governo tornou-se um tutor para os camponeses. Ao tempo que reprimiam os movimentos e forneciam o que os camponeses queriam, os trabalhadores tiveram seus ânimos acalmados.

No entanto, a atuação dos camponeses não desapareceu por completo. As Ligas podiam ter sido desmanchadas, mas os sindicatos continuavam funcionando, ainda que sob intervenções e vigilâncias. Eles fizeram o máximo possível para firmar nas leis o seu direito de existir, evitando ao máximo possível criar atritos com o governo militar.



Dimensão associativa

Como já foi dito, nos anos que se seguiram ao golpe de 64 muitos trabalhadores foram obrigados a deixar as suas propriedades para habitar as “pontas de rua”. Com isso, atribuiu-se as Ligas o medo de perder as terras. “Rapidamente se expandiram verdadeiros povoados nas ‘beiras da pista’, sobre as terras públicas, ao longo das principais rodovias do estado.” (pag 242, Regina Novaes)

Interessante observar o nome que esses povoados adquiriam. Um deles foi denominado “Rabo da Besta”. Existem duas explicações possíveis para esse nome. Em uma delas, a besta representa o latifúndio, e o povoado, a sua obra. Mas há quem tenha dito que a besta fazia referência aos falsos profetas, que seriam os políticos comunistas que durante a época das Ligas vieram pregar por lá, e após o golpe de 64 simplesmente os abandonaram.

Outros dois povoados foram chamados respectivamente de Cuba e Nova Cuba. Aí, novamente, há duas versões sobre a origem do nome. Uns diziam que o nome teria sido dado em alusão à ilha socialista onde há moradia para todos, uma vez que as terras ali eram públicas. Outros dizem que os povoados foram batizados pelos patrões de forma sarcástica, escarnecendo da condição miserável dos barracos improvisados.

Esse cenário de misérias e estigmatizações tornou os sindicatos impopulares, assim como ocorreu antes com as Ligas camponesas. Mais uma vez as lutas não haviam produzido bons frutos.


Abertura política

O processo de abertura política se iniciou em 1974, pelas mãos do presidente Ernesto Geisel. “Tal como aconteceu em outras situações históricas de totalitarismo, o silêncio imposto não produziu esquecimento” (pag 244, Regina Novaes).

No campo, a abertura veio acompanhada de uma eclosão de conflitos pela posse da terra. Isso aconteceu porque, apesar de o governo militar ter adotado medidas que favorecessem os camponeses, eles não trabalharam no sentido de resolver os conflitos que motivavam as Ligas. Pelo contrário, a medida do milagre econômico, que fornecia crédito fácil permitiu a modernização da agricultura o que criava uma grande desigualdade em relação aos pequenos produtores que acabavam perdendo as suas terras. Além disso, surgiu o fenômeno da especulação fundiária, quando uma terra era comprada apenas com a intenção de ser revendida por um preço mais elevado posteriormente, não sendo assim, produtiva. Nesse momento, as antigas lembranças quase perdidas começaram a ser resgatadas para alimentar a memória coletiva sobre as Ligas camponesas.

Nesse ponto, surgiram relatos de camponeses que foram enterrados no chão, deixando só a cabeça de fora, para passar com o trator por cima logo em seguida. Camponeses presos passaram por todo o tipo de tortura física e psicológica.

Cabra marcado para morrer

Em 1964, dias após o golpe militar, nos jornais de Pernambuco podia-se ler uma notícia que associava os camponeses a conspirações comunistas e fazia referência a um filme chamado “Marcados para Morrer”. O filme ensinava os camponeses a agir de forma violenta e a sangue frio. Porém, 20 anos depois, o mesmo jornal foi obrigado a noticiar o lançamento do filme “Cabra Marcado para Morrer, que contava a história das Ligas camponesas pelo ponto de vista dos camponeses.

Esse filme havia se iniciado antes do golpe militar, e foi interrompido assim que esse ocorreu. Apenas em 1980 as filmagens foram retomadas.

A política para Maquiavel

Nicolau Maquiavel, em italiano Niccolò Machiavelli, nasceu em Florença, na Itália, em 3 de maio de 1469 e morreu em 21 de junho de 1527, com 58 anos de idade. Inicialmente, foi um diplomata a serviço do governo florentino. Alguns anos depois, afastado da sua função, sendo acusado de se simpatizar com a administração anterior do governo, Maquiavel dedicou-se a escrever, produzindo não só textos de história e política, mas também poesia e música, sendo considerado um pensador do período renascentista.

A obra-prima deste autor, intitulada “O Príncipe”, é considerada o marco de fundação da ciência política moderna porque é a primeira a analizar o Estado e o governo como eles realmente são, e não idealizar como eles deveriam ser, tal qual fizeram tanto os filósofos gregos quanto os cristãos. Esse rompimento é também o motivo pelo qual Maquiavel pode ser considerado um importante autor do Renascimento. Sua concepção de política como sendo amoral e realista vai de encontro a visão moralista e idealizada do período medieval.

Das novidades apresentadas na classificação de Maquiavel, a primeira delas diz respeito aos tipos de Estados existentes. Destaca-se a afirmação:

“Todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre repúblicas ou monarquia”. (p.73, Norberto Bobbio)

Antes, sendo vigente a concepção aristotélica-polibiana, entendia-se que havia três formas de governo. Maquiavel reduziu esse número para apenas duas: principados e repúblicas. Basicamente, se o governo é exercido por uma pessoa, este é um principado; se por várias, constitui uma república. Ainda cabe a uma república ser democrática caso o grupo que a governa seja grande, ou aristocrática, caso seja pequeno, mas essa segunda divisão é considerada de menor importância.

Maquiavel afirmou que nenhum estado pode possuir estabilidade se não assumir uma forma pura de principado ou de república. As estruturas intermediárias sofrerão ataques tanto daqueles que preferem o principado quanto daqueles que preferem a república, resultando em um governo pouco seguro. Dessa forma, seria mais prudente adotar uma das formas por completo e suprimir a estrutura opositora. Por outro lado, a admiração de Maquiavel à república romana, que era um Estado misto, parece ser uma contradição dessa idéia. No entanto, segundo Norberto Bobbio, a mistura romana conseguiu adquirir um caráter mais conciliador do que conflituoso, tornando esse caso uma exceção à regra de Maquiavel.

Feita a devida distinção entre as formas de governo, Maquiavel se atém ao principado. Este também se divide em dois: os principados novos e os hereditários. Os hereditários, como o próprio nome diz, são aqueles passados adiante através de uma tradição baseada em laços sanguíneos; os novos são aqueles conquistados por quem ainda não era príncipe.

Novamente temos uma divisão em duas partes, agora no que diz respeito aos principados hereditários. Pode ser que o príncipe exerça o poder tendo seus súditos como servos ou pode ser que ele o faça através de intermediários, que possuem poder independente do dele. No primeiro caso observa-se um governo de poder mais centralizado, coeso, estável, forte. No segundo, observa-se o oposto. A partir desta observação, Maquiavel conclui que é mais difícil tomar o poder no primeiro tipo de principado, pois este não está permeado por conflitos internos, não há oposição e interesses distintos para enfraquecê-lo. Contudo, uma vez tomado, verifica-se que é fácil manter o controle sobre a estrutura que já se encontra armada de forma submissa ao poder central. No caso do príncipe que governa através de intermediários, o poder se encontra disperso e contraditório. Observa-se que é muito mais fácil tomar esse tipo de principado, mas uma vez tendo o feito, tendo que equilibrar-se no jogo de interesses políticos em seu interior, é mais difícil conseguir mantê-lo.

Os principados são classificados também quanto a dois conceitos introduzidos por ele, a saber: virtú e fortuna. A virtú seria o mérito, característica do príncipe que conquistou o principado por suas qualidades, por sua sagacidade nas ações políticas, por ter construído uma base forte e estável para se estruturar. A fortuna é a característica do príncipe que ascendeu graças a motivos que não o seu talento para governar; graças a forças externas. É o caso de ter caído nas graças de algum barão ou duque. Este, frequentemente, não possui a competência necessária para manter-se no poder, mas para que não seja derrubado, é preciso apressar-se a construir as bases que darão estabilidade ao seu governo, em suma: construir o seu mérito. De fato, para Maquiavel, embora a virtú seja preferível, ninguém conquista e se mantém no poder apenas através de uma ou outra. Há uma mistura das duas características na arte de governar.

Maquiavel não faz distinção entre principados bons e maus, como um moralista, mas ele defende que o objetivo de um príncipe é manter-se no poder, e para isso, a moral é um obstáculo. O principe deve buscar fazer o bem, mas deve saber usar a crueldade com sabedoria quando se fizer necessário. Sob essa lógica, até mesmo um tirano pode ser um bom príncipe. Daí vem a famosa afirmação, muitas vezes mal interpretada: “Os fins justificam os meios”.

Maquiavel afirma existir três formas de governo; duas delas (a aristocracia e a democracia) são derivadas das repúblicas e a outra (a monarquia) é derivada dos principados. Estas seriam as boas formas de governo. Mas além disso, ele admite a existência de três formas corrompidas de governo, cada uma correspondente a uma das boas formas; a oligarquia, a permissividade e o despotismo, respectivamente. A crítica de Maquiavel reside justamente na tendência existente das três formas boas de governo a se corromperem, passando a fazer parte das perniciosas.

A partir dessa tendência das formas de governo de se transformarem, Maquiavel apresenta um ciclo de formas de governo segundo ele “seguido por todas as repúblicas que já existiram, e pelas que existem” (p.80, Norberto Bobbio). Segundo Políbio, esse ciclo seria infinito, sempre retornando ao ponto de partida novamente, mas Maquiavel nega essa idéia, admitindo que em um momento, encontrando-se um governo enfraquecido, ele acaba sendo encorporado por um vizinho mais forte. Maquiavel afirma ainda, que, conhecendo essa tendência da história, o historiador é capaz de fazer previsões sobre o futuro, salvo as devidas particularidades do momento.

“Maquiavel aplica esta dupla atitude de previsão e prevenção ao problema das constituições. A sequencia das seis constituições demonstrou que todas podem ser nocivas – não apenas as consideradas tradicionalmente más, porém as boas também, devido à sua rápida degeneração. Mas o homem não seria um ser em parte livre, não determinado inteiramente pela “fortuna”, se não fosse capaz de conceber um remédio para o mal descoberto. Esse remédio é o governo misto” (p.82, Norberto Bobbio).

Deste modo, Maquiavel defende a estrutura de governo misto presente na antiga república romana, como uma mistura de constituições arquitetada para fornecer estabilidade, ao contrário das formas simples de governo. “Se o príncipe, o aristocrata e o povo governam em conjunto o Estado, podem com facilidade controlar-se mutuamente”. (p.82, Norberto Bobbio). A partir daí, Maquiavel faz uma previsão da concepção moderna de sociedade civil, na qual a estabilidade não se encontra na dominação, mas no conflito de poderes. “em todos os governos há duas fontes de oposição: os interesses do povo e os da classe aristocrática. Todas as leis para proteger a liberdade nascem da sua desunião” (p. 83, Norberto Bobbio).

Assim, Maquiavel entende o governo misto como a solução para o conflito de interesses antagônicos, tornando o Estado mais saudável do que seria com as formas de governo simples.

Bibliografia.


- BOBBIO, Norberto. “A Teoria das Formas de Governo na História do Pensamento Político. Ed: UnB

- MAQUIAVEL, Nicolau. “O Príncipe”. Ed: L&PM POCKET

Os elementos que contribuem para estruturar o processo de auto-imagem entre os grupos sociais segundo Norbert Elias.

Um dos pontos fundamentais para compreender o processo de formação da auto-imagem do indivíduo é, segundo Norbert Elias, o fenômeno da inserção da identidade de um grupo dentro da identidade de um indivíduo. Quando são feitas afirmações do tipo “eu sou brasileiro” ou “eu sou católico”, o indivíduo se apossa da identidade que diz respeito ao grupo dos brasileiros ou dos católicos e a incorpora a sua identidade pessoal, passando a entender os membros do seu grupo como semelhantes e os não-membros como “os outros”. Esse fenômeno de caráter universal é o cerne e o ponto de partida para as relações de poder intergrupais que coordenam o processo de formação da auto-imagem.

Sendo assim, a idéia de poder está diretamente relacionada ao ego dos indivíduos e a uma consciência grupal. Uma vez que a identidade do homem encontra-se submetida à de um grupo, as críticas dirigidas a este podem ser levadas para a esfera pessoal. Quando determinado aspecto que caracteriza a identidade de um grupo perde espaço para o de outro, o primeiro perde poder dentro de uma hierarquia social. Sendo o grupo parte do indivíduo, este também perde poder; quando o ego do grupo decai, o dos indivíduos o acompanha. Não obstante, os diferentes grupos lutam cada um para ter uma posição social superior em relação aos demais, fortalecendo a posição de seus membros em relação aos dos outros. O ganho de poder de um grupo representa sempre uma ameaça para os grupos divergentes, pois, mesmo não havendo uma queda do poder destes em termos absolutos, à medida que as distâncias entre um e outro se reduzem, há um enfraquecimento relativo.

Mas que mecanismos são usados para submeter um grupo em relação a outro? A classificação e a estigmatização são dois métodos eficientes. Através da classificação são estipuladas as barreiras que delimitam os grupos, dificultando a ocorrência de transgressões em qualquer um dos sentidos e facilitando o policiamento destes. A estigmatização é o recurso ideológico que nos permite atribuir qualidades generalizantes aos grupos, de forma a encaixá-los em posições dentro da hierarquia social. Comumente, o grupo dominante, que se encontra no controle dos meios de produção ideológicos, atribui aos seus próprios valores o topo da hierarquia; estes passam a ser os valores mais nobres que se pode ter. Os outros grupos, normalmente, são colocados em posições inferiores.

Um meio bastante comum de estigmatizar é através da língua. Uma vez que a idéia de pertencer a outro grupo é depreciada, uma vez que uma série de idéias negativas lhes é associada, é compreensível que com o tempo, a palavra que antes apenas designava este grupo passe a adquirir um sentido conotativo que invoque os conceitos depreciativos que a tanto tempo lhe foram imputados. Assim, o sentido que a palavra tem se confunde com o que ela de fato representa, incorporando não só no grupo dos dominadores mas também no grupo dos dominados a idéia de superioridade de um em relação ao outro.

A fofoca se revela um instrumento de grande eficiência na função de policiar os indivíduos para que estes não cometam transgressões dentro dos grupos em que se encontram, não rompendo as relações de poder estabelecidas. Já que a desobediência quanto a uma norma grupal representa a perda de poder deste e, conseqüentemente, a perda de poder dos indivíduos que o constituem, é imperativo que essas transgressões sejam repudiadas. A intolerância quanto aos comportamentos divergentes se manifesta na forma de hostilidades, ainda que de caráter passivo. Através da fofoca, a transgressão de um indivíduo se torna conhecimento comum dentro do grupo em que ele opera, provocando uma reação hostil contra ele, que o faz perder poder dentro da hierarquia social.
Também é evidente que quanto mais coesão um grupo possui, quanto mais fechado em si mesmo ele é, maior é a expectativa de se observar este tipo de fenômeno. Quanto mais rígidas forem as normais grupais e o policiamento realizado, maior se espera que seja a desigualdade existente entre os grupos.

O posicionamento de Pierre Bourdieu sobre o senso comum, face ao processo de construção do objeto na atividade de pesquisa.

Segundo Pierre Bourdieu, é preciso romper com o senso comum para que e possa construir um objeto científico. Antes de tudo, é preciso que o cientista abandone as pré-noções que o acompanham, que fuja aos entendimentos usuais que não são fruto de um processo reflexivo científico.

Para a construção do objeto, faz-se necessário questionar suas pré-noções antes de aprender o modus operandi da produção científica, porque a única maneira possível de adquirir esse conhecimento é através da observação prática de como reage este habitus científico. A transmissão do habitus pode ser conferida por indicações práticas ou correções feitas na prática. Bourdieu afirma que é necessária uma postura sistemática perante os fatos. A passividade empirista, segundo ele, apenas reafirma as pré-noções do senso comum. Segundo ele, isso “não se trata de propor grandes construções teóricas vazias, mas sim de abordar um caso empírico com a intenção de construir um modelo, de ligar dados pertinentes de tal modo que eles funcionem como um programa de pesquisas que põe questões sistemáticas, apropriadas a receber respostas sistemáticas; em resumo trata-se de construir um sistema coerente de relações, que deve ser posto a prova como tal” (p.32). Ele também afirma que é importante entender a pesquisa como atividade racional e não como uma busca mística. Isso significa deixar de lado a visão do comportamento científico como algo oficial, preciso e infalível, que acaba criando um senso comum douto, que nada mais é do que a transcrição do discurso do senso comum travestida de caráter científico. Para ele, é preciso cercar-se de ceticismo, questionar todos os seus pressupostos e variáveis possíveis, numa atitude ativa e sistemática, alicerçado não só na intuição racional, como também no raciocínio analógico.

Bourdieu afirma a necessidade de quebrar aquilo que ele chamou de “monoteísmo metodológico”, ao se referir à rigidez na apresentação das regras de ação na construção do objeto do conhecimento. Através da união de opções teóricas e técnicas empíricas, que podem ser multivariadas, é possível jogar novas luzes sobre diversos ângulos do mesmo prisma.

De acordo com o senso comum, o método científico é visto como o caminho pelo qual uma ciência deve seguir para construir o seu objeto de estudo. Bourdieu nega essa concepção, colocando que o método científico é um conjunto de regras criadas pelo homem para legitimar o status do trabalho realizado, fornecendo a aparência de seriedade acadêmica que apresenta o estudo, como portador de uma solidez inquestionável. Segundo ele, as normas não fazem parte do momento de origem de determinada ciência, e que esta acaba por encontrar o seu caminho próprio por outro rumo que difere das regras impostas a ela. Portanto, o método científico agiria na verdade como limitador no processo de produção de conhecimento. A ciência seria capaz de corrigir-se naturalmente ao enfrentar os obstáculos práticos que se interpõem a ela.

Sendo assim, a relação do sociólogo com o seu objeto deve ser objetiva, consciente de suas motivações e interesses sobre o referido objeto, a fim de estabelecer condições mínimas de ruptura com os modelos prontos para que não se incorra numa visão parcial e reducionista com ares de ciência.

O deslocamento operado por Michel Foucault entre a Epistemologia, a Arqueologia do Saber e a Genealogia do Poder.

A Arqueologia do Saber proposta por Michel Foucault distanciou-se da epistemologia para dar conta do estudo de um novo objeto – os saberes sobre o homem – que não podia ser devidamente analisado segundo a lógica cientificista da Filosofia das Ciências. No entanto, alguns aspectos foram mantidos nesta nova linha de pensamento, destacando-se entre eles a valorização da história como ferramenta para refletir sobre o saber.

A história, dentro da epistemologia, age no sentido de avaliar o progresso do conhecimento, que tende a superar os erros iniciais, aproximando-se gradativamente em direção a uma verdade. Uma conclusão, em um determinado contexto histórico, mostra-se extremamente fundamental, enquanto em outro, mostra-se questionável e ultrapassada. Tal instabilidade das conclusões de acordo com o curso da história nos leva a questionar quanto à possibilidade que temos de obter conhecimento de fato.

Na Arqueologia do Saber, a disciplina se ocupa da questão da possibilidade de conhecer. A questão da racionalidade científica é deixada de lado para focar-se no nível do saber, na prática discursiva que, embora não possua o título de ciência, obedece a regras de aparecimento, organização e transformação. Buscando explicar o aparecimento dos saberes, Foucault opera um deslocamento da busca da cientificidade para a positividade. A preocupação deixa de ser a dialética da negação, que invalida um saber para estabelecer outro em seu lugar, passando a apenas delimitar as regras que regem o aparecimento e a transformação dos conceitos.

Para Foucault, as ciências do homem não podem ser criticadas do ponto de vista da sua cientificidade. Para aprofundar-se no nível dos discursos, é preciso que não haja um método crítico definitivo e genérico. A idéia de história regional dá aos saberes a dimensão relativizada que eles necessitam. Cada saber possui o seu próprio processo de formação e, portanto, suas próprias regras, que não são definitivas, mas transformam-se com o desenvolvimento da pesquisa.

Na medida em que a Arqueologia do saber busca compreender a interferência da política, da economia e de outras práticas externas no processo de aparecimento e desenvolvimento dos discursos, introduz-se a idéia de poder. Observa-se o peso das relações de poder na construção do conhecimento. Em um contexto dominado por uma determinada instituição, por exemplo, os discursos de interpretação coerente com os interesses dessa instituição encontravam terreno fértil para se estabelecer. Tal constatação está de acordo com a afirmação da autora Vera Portocarrero no que diz respeito à Genealogia do poder: o poder gera saberes e o saber gera poderes. É possível tomar como ilustração as imensas bibliotecas existentes em mosteiros nos períodos medievais. O saber, assim como a básica capacidade de ler e escrever, eram privilégios controlados por uma elite intelectual. Não é a toa que os grandes pensamentos econômicos, filosóficos, teológicos e científicos da época foram conduzidos por eles.

Enquanto a arqueologia estuda as relações entre os saberes do homem e busca entender a origem desses conhecimentos, ela acaba por cair no que será o ponto de interseção com a Genealogia: o poder. É a Genealogia que se ocupa de concluir o trabalho iniciado pela Arqueologia, situando os saberes estudados como ferramentas de dominação de diversas naturezas, mas sempre de caráter estratégico.

Esse poder não existe sob uma forma genérica, nem pode ser atribuído exclusivamente do Estado ou de uma classe dominante. Ele se manifesta assumindo diversas formas, com suas particularidades, sobrepondo-se, formando uma rede de relações. Esse poder atinge não somente a mente, mas também o corpo dos indivíduos, ao influenciar seus hábitos, comportamentos e a cultura em geral. Assim, o método empregado visa analisar os micropoderes e suas relações com o Estado, que é uma espécie de poder central.

Torna-se clara, afinal, ainda que em linhas gerais, a transição ocorrida da Epistemologia para a Arqueologia, com o seu rompimento com a racionalidade científica, a sua abordagem diferenciada no emprego da história e o seu desprezo quanto a busca da verdade. Daí a transição para a Genealogia se dá por meio de uma relação mais de continuidade do que de ruptura, ao contrário como foi com a transição da abordagem epistemológica.